Xavier Bartaburu
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PAISAGENS GASTRONÔMICAS
Mapeamento da produção artesanal de alimentos no estado de São Paulo. Textos de Xavier Bartaburu, fotos de Adriano Fagundes.


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Outros textos deste livro:
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Ostra nostra
Almeirões na calçada

CIDADES VEGETAIS      
 
É lavoura, é mata e, a julgar pelo diagrama que Patrick Assumpção tem nas mãos, bem poderia ser uma cidade. Uma cidade planejada, claro. Ele fala em “ruas”, e é mesmo o que parece ordenar a lógica do mapa que ele estende para explicar o conceito de um sistema agroflorestal. Uma planta de plantas, por assim dizer, em que mandiocas, bananas e grumixamas se organizam em uma trama retilínea que em muito lembra a de um plano diretor. Com direito a skyline, inclusive, conforme se comprova nos canteiros da Fazenda Nova Coruputuba: uma paisagem de altos e baixos em cuja arquitetura tudo se encaixa segundo os princípios da natureza. E esta é arte: um pacto firmado entre o engenho humano e os tempos da mata para nele encontrar a salvação da lavoura. Literalmente.

A Coruputuba é fazenda antiga: data de 1911, ano em que o bisavô de Patrick, Cícero Prado, fundou aquele que viria a ser um dos maiores empreendimentos papeleiros da América Latina. Dos 2,5 mil hectares originais sobraramnesta gleba 209, e foram estes que Patrick herdou quase um século depois, quando assumiu uma propriedade já fatiada pelas sucessivas divisões familiares e fustigada pela queda do preço da celulose. Foi também quando botou abaixo os eucaliptos para apostar nos guanandis.

O guanandi, nativo da Mata Atlântica, é uma das primeiras madeiras de lei do Brasil – ligada, inclusive, à origem do próprio termo, quando um decreto imperial de 1835 determinou de uso exclusivo da Corte um conjunto de árvores tidas como nobres. Daí “de lei”. Como não aprodece na água, o guanandi foi de especial serventia na construção de navios. Hoje quase extinto, resiste na confecção de pisos e peças de movelaria, o que o torna especialmente valioso: pelo menos 150 vezes mais que o eucalipto. O problema é que, como toda madeira nobre, leva uns 20 anos para crescer.

Na busca de algo em que pudesse investir enquanto esperava os guanandis estarem prontos para o corte, Patrick descobriu o sistema agroflorestal. No espaço entre os troncos, decidiu plantar uma mata produtiva 100% orgânica. E tinha de ser uma que pudesse crescer sob a sombra das árvores, sem roubar-lhes os nutrientes e que ainda proporcionasse retorno financeiro rápido e regular. “A expertise está em conhecer a arquitetura da planta para ver como ela vai se dar com a outra que está embaixo ou do lado dela”, explica Patrick. Desse quebra-cabeça botânico surgiram as cidades vegetais da Coruputuba, fundamentadas no cultivo simultâneo de plantas de ciclos longo, médio e curto. Ou seja, enquanto umas crescem, outras já estão sendo colhidas.

Guanandi é de ciclo longo, pois demora anos para gerar rendimento, assim como as frutíferas – ali, todas da Mata Atlântica, como pitanga, grumixama e cambucá. Entre as de ciclo médio estão a palmeira-real (para produzir palmito) e a bananeira, esta também uma ótima fonte de irrigação: seu caule rico em água, quando cortado e espalhado pela lavoura, tem capacidade de manter o solo úmido durante meses. As de ciclo curto, por sua vez, são as que fazem rodízio na plantação, e aí Patrick caprichou: araruta, mangarito, milho-roxo, feijão-guandu, feijão-caupi, taioba, bertalha e cará-moela estão entre as raridades que hoje crescem na Coruputuba, para delírio dos chefs. Até a mandioca é atípica: uma variedade experimental com 800 vezes mais betacaroteno que a comum.
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Note-se que, em sua maioria, são quase todos ingredientes nativos do Brasil. Há uma razão: Patrick quer espalhar florestas produtivas por todo o Vale do Paraíba. “Temos aqui 110 mil hectares com potencial para isso.” Na prática, seria possível inclusive transformar as áreas de Reserva Legal – 20% da propriedade destinados à proteção de espaços naturais – em agroflorestas para geração de renda. Pela lei, uma área dessas deve ter no mínimo 50% de espécies nativas, que é o que já acontece nos canteiros da Coruputuba. Se isso for aplicado em outras fazendas, como quer Patrick, o impacto positivo poderia ser imenso, tanto para a natureza quanto para o produtor: multiplicariam-se matas e lavouras numa tacada só. Uma metrópole vegetal brotando no meio do vale.