Xavier Bartaburu
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SACRACIDADE
A busca do sagrado no centro de São Paulo. Textos e fotos de Xavier Bartaburu. Fotos aqui. 

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Os amigos invisíveis

Os espíritos devem gostar de folhetos, pois ninguém visita pela primeira vez a sede da Federação Espírita do Estado de São Paulo sem sair com ao menos oito deles na mão. E um marcador de livro. O primeiro eu recebi ainda na calçada – o flyer de uma peça de teatro, O Encontro Espiritual de Léon Denis & Joanna de Ângelis –, antes de atravessar a grade que separa a rua do reino dos espíritos. Os folhetos de número 2, 3 e 4 me foram entregues pela diligente Valdeci tão logo galguei os dois lances de degraus de ardósia que me conduziram ao Depoe – Departamento de Orientação Espiritual. Um dos folhetos instruía os pais ou responsáveis quando da presença de crianças no espaço, em outro constava o telefone da Telefeesp (“Uma voz amiga à sua disposição!”) e o último vinha com um trecho do livro Leis do Amor, ditado pelo espírito Emmanuel a Chico Xavier, que explicava de onde vêm os espíritos obsessores.

O Depoe é uma sala imensa onde duas dúzias de mesas de madeira com tampo de vidro se alinham em três fileiras. Houvesse máquinas de escrever, seria uma repartição pública da era pré-digital. Mas havia flores. Um vaso pequeno no canto superior direito de cada mesa, que, pela cor, identificava os atendentes.

Fui parar na mesa de Marilena (“Aquela atrás das flores amarelas”, me disse Valdeci), mulher de meia-idade, cabelos curtos e olhos ao mesmo tempo compassivos e inquiridores.

━ O que te trouxe aqui?

A pergunta deu início a um sutil interrogatório que culminou com o preenchimento de uma ficha, pela qual se pretendia traçar um diagnóstico das minhas necessidades espirituais. A cada pergunta, ela marcava, ou não, o quadradinho ao lado de cada item: “Cansaço ou fadiga”, “Rancor ou mágoa por alguém”. Alguns itens, pude ver na ficha, não eram de se perguntar, mas de observar: “Agressividade extrema”, “Dificuldade para se expressar”. O olhar cirúrgico de Marilena determinava se aqueles quadradinhos deveriam ser marcados ou não.

Ela me explicou que a ficha seguiria para uma sala nos fundos do Depoe, onde os médiuns leriam meu prontuário espiritual e, com a ajuda dos amigos invisíveis, determinariam qual seria meu tratamento. Enquanto isso, eu deveria esperar numa salinha intermediária, ao fundo, onde uma tevê transmitia paisagens campestres acompanhadas de ensinamentos de Allan Kardec. Levantei da mesa de Marilena com mais um papel na mão (folheto de número 5) – uma ficha rosa que deveria ser carimbada na mesa de Neyde.

Nem bem sentei na salinha, depois de uma providencial ida ao banheiro para fazer xixi, ouvi meu nome ser chamado. Era Antonia, que me conduzia à sua mesa, de flores verdes. Antonia, ao contrário de Marilena, não parecia ter muita paciência.

━ Você vai fazer o tratamento P3E ━ ela me disse, enquanto abria uma apostila na página onde estava impressa a grade horária do referido tratamento, para que eu escolhesse os dias de frequência da série de palestras e de passes.

━ Mas já?! Eu não ia passar pelos médiuns?

━ Você já passou pelos médiuns. Enquanto estava naquela sala, esperando.

━ Mas eu estava no banheiro…

━ Não interessa. Sua ficha foi lida pelo nosso colegiado de médiuns, que determinou seu tratamento. É este aqui: P3E.

Antonia não quis me contar o que significava aquela sigla, mas sugeriu que, para acelerar o tratamento, eu praticasse o Evangelho no Lar. E me indicou uma mesa atrás da dela, disposta debaixo de uma placa que dizia “Departamento de Evangelho no Lar”. Mas não sem antes me entregar o folheto de número 6 – uma ficha branca com as indicações do meu tratamento, que deveria ser igualmente carimbada.

Bastou que me sentasse para receber as instruções do Evangelho no Lar, ganhei de Cícero mais um folheto (número 7), além de um marcador de livro – este especialmente útil, já que todo o propósito daquela minha quarta interação com pessoas visíveis era aprender a ler da maneira mais eficaz O Evangelho Segundo o Espiritismo.

Logo pensei que Cícero devia ser a pessoa visível mais paciente daquele edifício, pois era já o fim da tarde de sexta e ele continuava dando as mesmas instruções a cada indivíduo que se sentasse em sua mesa, sabe-se lá se pela quinta ou décima quarta vez naquele dia. O folheto de número 7 já explicava em detalhes como deveria ser feito o Evangelho no Lar, mas Cícero não se furtava de oferecer novos pormenores.

━ Cachorro pode participar? Pode. Pode pôr vaso de flores para ler com o Evangelho? Pode ━ Ele mesmo fazia e respondia as perguntas, certamente amealhadas ao longo de anos de atendimento espiritual ━ E se ninguém da família quiser ler o Evangelho comigo? Aí você lê sozinho… Sozinho entre aspas, né? Porque nossos amigos espirituais estão sempre do nosso lado.

Terminada a etapa das flores e dos folhetos, seguiu-se a etapa das filas. A primeira me conduziu ao interior do salão Cairbar Schutel, onde os atendidos assistiriam a uma palestra rápida de 15 minutos sobre algum tema do Evangelho. No caso, o capítulo IX, “Bem-aventurados os mansos e os pacíficos”, item 8, “Obediência e resignação”, em que se falou da importância de reduzir as expectativas sobre a vida.

━ Agora vocês tomarão um passe. Que assim seja, graças a Deus ━ disse a expositora, dando início a mais uma fila, feita igualmente em silêncio, na ordem em que as pessoas haviam se sentado. Na saída, outra fileira já se formava para a próxima palestra.

A fila do passe se estendia do outro lado do corredor do subsolo, às portas da sala 2B, de nome Edgard Pereira Armond. Lá dentro, ainda em fila, eu e os outros atendidos receberíamos dois passes – o primeiro de médiuns dispostos também em fileira, o segundo de médiuns agrupados em conjuntos de três, para “unir as forças”, conforme me explicaram depois. Tudo isso após receber mais um folheto na fila do passe, com ensinamentos ditados pelo espírito André Luiz a Chico Xavier: “O erro ensina o caminho do acerto e o fracasso mostra o caminho da segurança”. Folheto de número 8.

A Feesp é uma cidade de dez andares e um subsolo frequentada por pessoas visíveis e invisíveis. As primeiras fazem filas, pegam folhetos e se sentam em cadeiras de madeira e/ou de plástico. Das segundas não posso dizer, porque não as vi. Mas Marcelo, o expositor da minha primeira aula no tratamento P3E, me garantiu que “a assistência não é só para o encarnado”. “Parentes e amigos desencarnados estão aqui também, assistindo a esta palestra”, ele disse, ressaltando que os efeitos dos ensinamentos kardecistas e das irradiações fluídicas proporcionadas pelos passes reverberam também no plano espiritual.

Pelo que pude entender, os espíritos povoam o prédio da Feesp em numerosas instâncias: quando acompanham os vivos durante a visita, quando se manifestam nos médiuns e, também, quando vêm à sede da Federação para receber atendimento sem a necessidade de um corpo físico. Nesse caso, os mortos fazem filas idênticas às dos vivos, lotando os corredores e tomando passes (recebendo folhetos também?) com o objetivo de desembaraçar os trâmites para o mundo de lá. “Aqui virou lugar de atendimento para o mundo inteiro”, salienta Silvia Puglia, diretora da área de divulgação e ex-presidente da Federação. Especialmente cheio, segundo ela, em momentos de tragédia ou catástrofe, como atentados terroristas e acidentes de avião – mesmo quando ocorrem do outro lado do mundo.

(continua / texto completo no livro)


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