VIAGEM À BAHIA DE JORGE AMADO
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Vai querer?
Bode vivo, tem de cem, cento e vinte e cento e cinquenta. O preço varia com o tamanho. Vai querer? Tem que ir lá pros fundos da feira, onde os bichos se amontoam nuns currais catinguentos, pertinho do cais onde vez ou outra algum saveiro ainda aporta. Na Feira de São Joaquim, tudo tem seu lugar. E aqui é lugar de bicho vivo, aguardando a hora do sacrifício pra matar a fome dos homens ou deleitar os orixás. Pombo, tem uns quantos. Galinha, um monte. Tem as que ficam soltas na rua e as que ficam presas, amontoadas elas também, nas gaiolas de arame. Em cima destas, todo gabola no poleiro, um galo ou outro abre o bico pra berrar. O preço? Vinte ou vinte ou cinco reais. Depende do tamanho. Feira que é feira não tem certidão de nascimento, mas a de São Joaquim é do tipo que faz aniversário. Nasceu oficialmente no dia 8 de dezembro de 1964, dia de Nossa Senhora da Conceição da Praia, com muita festa e oferendas a Iemanjá. Tudo meio improvisado ainda, porque fazia-se urgente arranjar novo pouso para a massa de comerciantes desalojados depois dos incêndios que deram cabo da Feira de Água de Meninos. Mercado célebre, meca do populacho soteropolitano, a “feira dos mil produtos” existiu durante três décadas na freguesia do Pilar, poucos passos ao norte do Mercado Modelo. Em duas tardes de setembro, mais de mil barracas arderam até o pó. Três meses depois do fogaréu, a prefeitura fez brotar na enseada vizinha a Feira de São Joaquim. E essa cresceu, como crescem todas as feiras do mundo, até virar cidade. Com rua, bairro e trânsito de gente, bicho e carreta. Tem rua, por exemplo, só pra vender farinha de tudo quanto é branco, chegada de tudo quanto é lugar do Recôncavo: Santo Antônio, São Felipe, Maragogipe, Nazaré. É a Rua da Farinha. Cada saco, um gosto e uma cor, devidamente identificado com denominação de origem e conforme a qualidade: “gostosa”, “ótima”, “especial”, “crocante”. Tem também uma rua só de banana e outra de cerâmica. E tem rua que é misturada: é feijão vizinho de sapato, sabão defronte de inhame. Já bairro, cada um tem um cheiro. Tem um todo dedicado ao acarajé, com barracas especializadas em feijão-fradinho, camarão seco e garrafinhas de plástico com azeite de dendê até a tampa. E outro bairro pro caruru, onde se vende todo o necessário pra agradar a Xangô: dendê, camarão, pimenta e, claro, quiabo. Mas quiabo, esse tem por todo canto da feira, a cada esquina um cesto recheado. Onde já se viu baiano viver sem quiabo? E pimenta, então? Por aqui também se topa a toda hora: de cheiro, malagueta, fresca, em conserva, o que quiser. De comer, na São Joaquim tem de tudo. Só não tem peixe, que esse vai pro Mercado de São Miguel. Só de ruas, aqui são vinte e duas. Barracas, pra lá de quatro mil. Na maior feira livre de Salvador, tudo de que o povaréu precisa pra viver, tem. Todo santo dia, a preços populares. Não só o de comer, mas também o de vestir, o de cozinhar e o de rezar. E tem, é claro, as casas de “artigos religiosos”. Tudo que se necessite pra curar as dores da alma e os males do corpo, ou mesmo apenas satisfazer os orixás, aqui se encontra. Além de bodes, galinhas e outros bichos de duas ou quatro patas, a Feira de São Joaquim oferece toda sorte de ervas, pós, objetos e adereços, cada qual com sua função nas casas de santo da cidade. Ou utilidade nas casas e na vida do povo mesmo, como esclarecem as gavetinhas que guardam os pós de pemba: “desata nó”, “amansa marido”, “chama emprego”, “vence demanda”. Já quem prefere banho de descarga, tem também de todo tipo: panaceias engarrafadas, de tudo quanto é cor, pra espantar a ziquizira. “O senhor que viaja, tome um banho de descarga”, sugere o vendedor, que se apresenta como Joca de Ogum. “É pra limpar o axé”, ele insiste. E, com um sorriso gaiato, avisa: “Pior feitiço é o olho, meu amigo”. |