VIAGEM À BAHIA DE JORGE AMADO
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Santa Gabriela dos Ilhéus
Ilhéus tem uma Pizzaria Gabriela, uma estação de rádio de nome Gabriela FM, uma agência de viagens batizada de Gabriela Turismo e um certo Torneio de Pesca da Gabriela, já em sua vigésima-sétima edição. E tem também uma Gabriela que chamam de “a oficial”, menina de riso fácil e coxas grossas da cor de canela, campeã de sério concurso municipal. Fabíola Hala bem que não queria, mas alguém achou que a moça tinha os atributos necessários para conquistar o título de “A Mais Bela Gabriela” da cidade, em certame organizado pela prefeitura no ano de 2008. Insistiram, ela foi. Virou a Rainha do Carnaval daquele ano. Hoje, sempre que precisam de uma Gabriela em evento público, casamento ou festa de aniversário, lá vai Fabíola metida num vestido de chita, flor de pano vermelha no cabelo, os seios quase saltando para fora do babado e botando os homens para amar, mais do que uma mulher, um mito. Tem quem diga que Gabriela existiu mesmo e foi muitas mulheres numa só, amálgama dos sonhos juvenis de um autor em busca da protagonista perfeita. Uma das matrizes de Gabriela, Cravo e Canela, ao que consta, teria sido Felipa, mulata de ancas generosas que nos anos 1920 trabalhara no Bar Vesúvio e fora amásia do então proprietário, um certo português de sobrenome Figueiredo. E isto é tudo que se sabe dela. Outra teria sido dona Lourdes, cozinheira e mulher do terceiro dono do Vesúvio, Emílio Maron. Desta sabe-se mais, e sabe-se bem o rebu que deu. Prosa que gosta de beber no real pra verter ficção dá nisso: vira matéria de especulação. Jorge Amado nunca deu como certo que o romance de Nacib e Gabriela fosse inspirado no casal Maron, mas nem bem publicou o livro, o povo já foi logo tecendo semelhanças. Seu Emílio era, como Nacib, além de dono do Vesúvio, do mesmo sangue libanês. Dona Lourdes viera de Sergipe e fora trabalhar como cozinheira no bar, onde viria a casar-se com o proprietário. Tinha lá seus olhos verdes, e quem a conheceu na mocidade garante que exalava certa formosura, mas nunca se teve notícia de que incendiasse as paixões em Ilhéus. Enlouquecia, isso sim, homens e mulheres com os quibes e quitutes que brotavam de sua mão. Discrepâncias à parte, o Brasil inteiro começou a achar que Gabriela existia de verdade. E trabalhava no Vesúvio. O povo já nem ia mais atrás dos quibes: queria era ver a danada da Gabriela. Na cidade, acendeu-se o diz-que-diz-que. Seu Emílio, coitado, tomou fama de corno. Dona Lourdes, de esposa dada às excursões extraconjugais. Quando na época Jorge Amado esteve de visita em Ilhéus, seu Emílio foi lá tirar satisfação: saiu de tapa com o escritor, pra ver se ainda lavava a honra que lhe restasse. Os Maron morreram na década de 70, mas Gabriela ganhou ares de celebridade internacional. E o Vesúvio, ponto turístico de primeira grandeza, centro de romaria onde se rende estranho culto. Na diminuta pracinha que desde sempre foi o centro nevrálgico de Ilhéus, rouba a cena até da Catedral. “Se não fosse o Jorge Amado, acho que o Vesúvio não teria sobrevivido cem anos”, diz Guido Paternostro, o atual arrendatário. Tanto é que, desde quando foi inaugurado por dois italianos em 1910, o bar nunca mudou de endereço. Só o que mudou foi a clientela. No lugar dos coronéis do cacau, os turistas. Milhares deles, empanturrando-se de quibe e cerveja e posando para fotos junto à estátua de Jorge Amado bem na porta do boteco. Quando tem cruzeiro atracado no porto, aí é um deus-nos-acuda. Homens que sonharam com Gabriela em eslovaco, ucraniano e mandarim chegam aos borbotões, botando os garçons para trabalhar durante dois terços do dia. “A maioria acha que Nacib e Gabriela existiram mesmo”, diz Guido. E ainda perguntam onde fica o célebre telhado que revelou as coxas de Sônia Braga para o mundo – até hoje a mais perfeita Gabriela de que se tem notícia. “Se duvidar, tiram até pedaço da parede pra levar”. Do casal Maron já quase ninguém mais se lembra. Salvo os parentes, que ainda sofrem de séria indigestão quando o assunto vem à tona. Carla Maron não ajudou muito quando, há dez anos, numa entrevista, declarou que era a neta da Gabriela. Comprou briga com a família, as tias ficaram anos sem lhe dirigir a palavra, e ela mesma se esquivou da questão por uns tempos. Aí, mudou de ideia. “Resolvemos assumir”, ela diz. No ano passado, Carla e mais dois irmãos abriram no Rio do Engenho, distrito de Ilhéus, o Bar e Restaurante Netos da Gabriela. Mais um estabelecimento ilheense com o nome da morena mais famosa da Bahia. |