DO GRÃO AO PÃO
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Massas ao mar
Poderíamos começar confirmando a lenda de que foi Marco Polo, no século 13, o introdutor do macarrão na Europa. É tentador pensar que a primeira grande expedição europeia em terras estrangeiras tenha sido também a responsável por difundir o prato mais icônico da Itália. Mas a verdade é que não foi bem assim. O macarrão teve, sim, um papel crucial nas viagens de exploração que arrancaram a Europa da Idade Média e a conduziram à Modernidade, mas de outro modo. Até porque, ao que consta, já se fazia macarrão por ali muito antes de Marco Polo. Os chineses, de fato, são os inventores do macarrão – isso ninguém tira deles. Na China, os registros mais antigos de fios de massa cozida à base de trigo datam de 2 mil anos atrás. Desde então, a receita provavelmente viajou pela Ásia através das rotas comerciais, na mão de mercadores árabes, até desembarcar no Mediterrâneo, já na Idade Média. No século 12, um geógrafo marroquino descreve algo parecido com o macarrão sendo consumido na Sicília, então colônia árabe. Com efeito, a palavra é de origem siciliana: vem do verbo maccari, que significa “esmagar”, uma alusão à força empreendida com as mãos no preparo da massa. Seja qual for a origem, o macarrão se tornou imensamente popular no fim da Idade Média, pois não exigia nada além de farinha de trigo, água e sal para o preparo e podia ser armazenado por muito tempo. Estamos falando, é claro, da massa seca, feita com a farinha de sêmola extraída da moagem do trigo de tipo durum (massas frescas, como o ravioli, existem em toda a Europa desde a Antiguidade). Daí sua serventia nas grandes navegações que abriram os mares do mundo nos séculos 15 e 16: estocado no porão dos navios, o macarrão podia aguentar meses de viagem sem estragar. Bons para matar a fome dos navegantes eram também os biscoitos, invenção egípcia que atravessou os séculos e aterrissou nos conveses, onde não raras vezes salvou muitas vidas. O nome vem do francês, biscuit, que quer dizer “cozido duas vezes”, operação que elimina os germes e permite que a bolacha permaneça intacta durante anos. O problema é a rigidez: para conservar os biscoitos, os padeiros tratavam de fazê-los o mais duros possível, de modo que a única forma de não quebrar os dentes era mergulhando as bolachas no leite ou na salmoura. Cabe lembrar que os biscoitos, nessa época, não eram tão doces quanto os de hoje. Raramente tinham açúcar, artigo escasso na época. Era mais comum que fossem feitos com mel ou apenas sal. O açúcar, como sabemos, veio nas viagens de volta – a Europa já conhecia a cana por intermédio dos árabes, mas foram as plantações nas Américas que permitiram sua popularização. Também no porão das caravelas veio o tomate, este de origem mexicana. E ambos, açúcar e tomate, foram cruciais para enriquecer tanto os biscoitos quanto o macarrão. À medida que ambos foram ficando mais acessíveis à população, tanto a confeitaria europeia floresceu quanto as massas ganharam sua melhor companhia. Demorou um pouco – doces, tortas e bolos se tornaram populares só no século 18, enquanto que a primeira receita de macarrão com molho de tomate foi publicada no século 19. Mas veio para ficar. |