DO GRÃO AO PÃO
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Um país sem pães
O Brasil Colônia era, em essência, uma terra sem pão, nem padarias. Pão, mesmo, era privilégio das elites, como testemunharam numerosos viajantes que por aqui passaram naqueles tempos. A ampla maioria dos brasileiros se alimentava dos derivados da mandioca ou do milho, às vezes da própria farinha crua. E muitos sequer sabiam que gosto um pão de trigo tinha, de tão raro que era. As razões para isso são simples: o trigo no Brasil colonial era caro. Antes que os trigais gaúchos começassem a produzir em grande escala, no final do século 18, praticamente toda a farinha consumida pelos brasileiros era importada de Portugal. Daí o nome com que ficou conhecida: farinha-do-reino. E mesmo a farinha portuguesa também não era exatamente de boa qualidade; às vezes, chegava em tão mau estado, por conta da viagem através do Atlântico, que muitos preferiam a tapioca a um pão feito com farinha mofada e rançosa. Fora o fato de que nem sempre Portugal era capaz de enviar farinha ao Brasil. Como na primeira metade do século 18, em que até lá faltou trigo, episódio decorrente do Tratado de Methuen, em que Portugal se comprometeu a importar produtos industriais dos ingleses, enquanto estes ficavam com a obrigação de comprar o vinho português. A consequência disso foi o crescimento desordenado dos vinhedos portugueses, inclusive sobre terras onde antes havia espigas, resultando não só na falta de pão como também de dinheiro, pois praticamente todo o ouro que a Coroa tirava do Brasil era gasto comprando-se manufaturas inglesas. A questão só foi resolvida em 1765, quando o Marquês de Pombal, secretário de Estado, emitiu um alvará obrigando que se deitassem abaixo os vinhedos ao sul do Rio Douro para, no lugar deles, plantar-se trigo. No Brasil, as mudanças efetivas ocorreriam só a partir de 1808, com a chegada da família real portuguesa, fugindo de Napoleão. Com ela vieram os primeiros padeiros, integrando a comitiva de 15 mil pessoas que desembarcaram no Rio de Janeiro, bem como novas receitas, que só na Europa se conheciam. Só faltava o trigo, na época restrito às lavouras gaúchas, que já padeciam da praga da ferrugem. O fato foi rapidamente contornado com a abertura dos portos ao comércio internacional, medida que resultou na chegada em massa de navios provenientes dos Estados Unidos, na época já um dos grandes produtores mundiais de trigo. As primeiras padarias são dessa época, no início ainda um luxo do qual só os membros da aristocracia europeia podiam desfrutar. Em 1816, o pintor francês Jean-Baptiste Debret nos fala de apenas seis padeiros no Rio de Janeiro. À medida que cresceu a importação da farinha americana, bem como o fluxo de imigrantes, mais acostumados ao pão de trigo que à tapioca, o número de padarias se multiplicou de maneira veloz. Segundo o Almanaque Laemmert, o mais importante periódico do Brasil imperial, já havia 40 padeiros em atividade na capital em 1850. Trinta anos depois, o número havia saltado para 170. |