DO GRÃO AO PÃO
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O grão antes do pão
A espécie humana ainda caçava mamutes quando alguém, talvez por acaso, teve a ideia de provar das sementes contidas dentro de uma espiga de trigo. Não se sabe quando, nem quem, nem de que povo, foi. Mas indícios arqueológicos apontam para cerca de 15 mil anos atrás, em algum ponto do Oriente Médio – bem onde, mais tarde, o homem descobriria a agricultura e lançaria a pedra fundamental daquilo que chamamos civilização. No início era assim: colhia-se o trigo selvagem, tal como crescia na natureza, e é bem provável que talvez nem se transformasse em lavoura caso não tivesse ocorrido, em determinado momento, uma importante mutação genética. No trigo em sua forma original, as espigas se despedaçam naturalmente, espalhando os grãos pelo chão, que logo germinam – inviabilizando a colheita, portanto. Certos exemplares, porém, desenvolveram por conta própria uma maneira de manter as sementes presas ao caule, protegidas pelas espigas. Essa foi a forma que permitiu aos humanos colher os grãos de trigo e, depois, encontrar as técnicas certas para semeá-los, fazê-los brotar e transformá-los em alimento. No início não havia pão; comia-se o trigo cozido em água, na forma de um mingau. Os primeiros cultivos de trigo domesticado aconteceram por ali mesmo, no chamado Crescente Fértil, porção do Oriente Médio que compreende os vales do Tigre, do Eufrates e do Nilo. Os registros mais antigos datam de 7.600 a.C., idade dos grãos carbonizados que foram encontrados em um sítio arqueológico do sudoeste da Turquia, provável local de origem do trigo cultivado. A espécie em questão era o einkorn, o mais antigo dos trigos, também mais rico em proteínas e vitaminas que as variedades atuais. Não muito longe dali, no norte da atual Síria, outra espécie de trigo selvagem – o emmer – também foi domesticada, esta dando-se melhor em zonas mais quentes, como vales e planícies. Ambas as espécies coexistiram por milênios, espalhando-se rapidamente em todas as direções do mundo conhecido – em 3 mil a.C. estavam já em toda a Europa e haviam alcançado a China. Nessa altura, tinham também ganhado a companhia de ainda outra espécie, a espelta, surgida provavelmente nas montanhas da Pérsia uns 2 mil anos antes. A espelta resultava do cruzamento espontâneo do trigo emmer com uma espécie de gramínea nativa. As três espécies têm uma característica em comum: a espiga não pode ser debulhada, pois os grãos estão presos à casca que os protege. Moer, portanto, é uma tarefa que exige um esforço extra. Os romanos tinham um nome para esse tipo de trigo: farrum, origem da palavra “farinha”. Mas o homem logo tratou de desenvolver variedades que facilitassem o trabalho da moagem. Do emmer domesticado, surgiu então o trigo durum – bom para fazer massas secas. Da espelta, nasceu o trigo comum, perfeito para pães. Entrada a Idade do Aço, no segundo milênio antes de Cristo, eram já diversas as espécies e subespécies de trigo que alimentavam a humanidade. Algumas, como o einkorn e o emmer, foram desaparecendo em favor de outras. Mas todas, junto a outros cereais, contribuíram para dar pouso fixo à espécie humana. De nômades, nos tornamos sedentários. Do trigo, surgiram aldeias, que depois viraram cidades, que se tornaram impérios. |